Entrevista com Antônio Moura de Lima, terapeuta da Clínica Revive
O pós-tratamento para dependência química é uma importante etapa para retomada do contato social e a recuperação completa, mas também é o momento no qual há maiores riscos de recaídas. Antônio é terapeuta há 28 anos e responde algumas dúvidas comuns de pacientes e familiares que estão passando por essa fase.
Como funciona o pós-tratamento da internação? Há um tempo de duração estabelecido?
Bom, o pós-tratamento significa a continuidade dos cuidados feitos dentro da clínica. Lá fora, é necessário fazer tudo aquilo que foi sugerido antes. Sendo assim, o pós-tratamento inclui idas ao psiquiatra, acompanhamento psicológico e terapêutico, reuniões em grupo, mas com uma frequência um pouco menor. O tempo de duração varia entre 120 a 180 dias, quase o mesmo tempo de internação. Mas isso vai depender muito da recuperação do paciente ao sair. Aqui na Revive, os pacientes têm a possibilidade de ficar um ou dois dias na clínica caso sinta que sua sobriedade está em risco, mesmo depois de terem terminado o tratamento.
Quais são os maiores desafios do paciente ao deixar a clínica?
O paciente pode ficar entre 7 a 9 meses na clínica, de acordo com a gravidade da dependência. Aqui, ele aprende a lidar consigo mesmo. Mas quando chega lá fora, ele encontra muitas dificuldades com as pessoas à sua volta, por querer a confiança delas imediatamente de volta. E essa confiança não é de uma hora para outra. Isso é um passo que terá que ser dado de cada vez. Muitos nem querem sair por medo de lidar com isso, lidar com a vida sem o álcool e as drogas. Então é um desafio gigante, porque ele vinha adaptado a esse estilo de vida e agora precisa se estabelecer sem essas substâncias.
Qual é a importância da rede de apoio do paciente e como familiares e amigos podem ajudar nessa fase?
A rede de apoio é muito importante na recuperação. Muitas famílias acabam não fazendo isso por acharem que o problema é só o dependente químico e se esquecem que a problemático do vício também os afetou, levando-os a se tornar codependentes. É uma situação terrível e que deve ser tratada com psicólogos e grupos de apoio como o Nar-Anon. O dependente também deve buscar grupos como AA, NA, Nar-Anon ou Pastoral da Sobriedade no pós-tratamento. Os que não se identificam devem buscar uma religião de apoio e amigos que possam agregar nessa fase, evitando pessoas, hábitos e lugares que poderiam levar à recaídas.
Muitas vezes, o período pós-tratamento é um momento de incertezas para o paciente. O que pode auxiliar a reinserção e o planejamento pessoal? Fora da clínica ele não sabe se vai dar certo o que vinha planejando, se vai conseguir manter-se no psicólogo, se vai conseguir o apadrinhamento, se vai conseguir se manter longe do álcool e das drogas. O que influencia é a maneira como ele vai viver e com quem a partir desse momento, devendo ficar longe de pessoas emocionalmente tóxicas e fazer mudanças significativas em suas rotinas para que velhos hábitos não retornem. Eles precisam de apoio social, moral e espiritual, principalmente.
Quais são os riscos da falta de um acompanhamento adequado no pós-internação? A falta desse acompanhamento pode gerar a volta do uso da substância e a perda de todo progresso construído durante o tratamento. Muitas vezes, isso ocorre porque a pessoa realmente não teve vontade de fazer o tratamento ou por falta de interesse em manter os cuidados necessários e adotar novos hábitos ao fim da internação. Dessa forma, a situação volta a se descontrolar e a causar sofrimento para o dependente e a família.
Pacientes reincidentes teriam mais dificuldades nessa etapa do tratamento? Como tratar esse problema? Os pacientes com grande histórico de recaídas geralmente ou não terminam o tratamento, ou terminam o tratamento e acabam não tendo êxito em permanecer em sobriedade. Com certeza suas dificuldades são maiores, a frustração também porque vêm outras pessoas conseguindo e eles não. Para ajudá-los é preciso fazer com que eles se perguntem onde estão falhando, que recomendações não estão seguindo, de que forma estão lidando com os problemas pessoais e que gatilhos os levam às recaídas.
Como seria possível lidar com um lapso de abstinência em ambientes fora da clínica?
O lapso seria ocasionado por um descuido e geralmente acontece depois de fazer uso da substância, pensando ser “apenas uma vez”. Isso porque logo em seguida o corpo já começa a sentir os efeitos da abstinência e fica muito mais difícil se manter sóbrio. Nesse caso, é importante reconhecer o lapso e pedir ajuda. Seja ela por meio da clínica, seja por meio de profissionais fora dela como psicólogos e terapeutas.
Quais hábitos e atitudes podem ser adotadas para garantir a sobriedade a longo prazo? De início, deve-se pensar nos gostos pessoais para estabelecer hábitos sadios. Sendo assim, bons hábitos para o ex-dependente incluem praticar esportes, fazer amigos benéficos à sobriedade, se alimentar corretamente, adotar práticas espirituais e buscar o equilíbrio nas esferas física, social e emocional. Mas o principal hábito que deve ser criado é o de procurar ajuda em momentos difíceis e não tentar “resolver” sozinho.